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Aos 87 anos, primeiro DJ do Brasil mantém case pronto para o próximo baile
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Aos 87 anos, primeiro DJ do Brasil mantém case pronto para o próximo baile

O UOL CONVERSOU COM SEU OSVALDO, CONSIDERADO O PRIMEIRO DJ DO BRASIL

De TAB/UOL
Por Peu Araújo

Atrás dos toca-discos ele é preciso e calmo. Com elegância, Osvaldo Pereira escolhe cada música como se estivesse dando um presente ao público. Faz o movimento de repousar a agulha no vinil quase como se a colocasse para dormir e ainda hoje, aos 87 anos, dá seus bailes por aí. Aliás, dava. Desde o início da pandemia, o primeiro DJ do Brasil fez apenas uma live e anda quietinho, mas não tanto quanto os filhos gostariam.

“Estou ficando mais em casa. De vez em quando vou lá no Tony (Hits, dono de loja de discos no centro de São Paulo e discotecário), vou na Santa Ifigênia pegar alguma coisa, mas eu tenho tomado os cuidados necessários, fico de máscara, vou rápido e volto. Não abuso, porque eu sei como é que é.” Ele ainda faz questão de afirmar: “a pandemia foi um alerta para o mundo. Só não vai acordar agora quem não quiser. Você percebe que ela é perigosa”

A descoberta de São Paulo

Seu Osvaldo recebe a reportagem do TAB na casa em que mora desde 1950, na Avenida Joaquina Ramalho, no bairro de Vila Guilherme, zona norte da capital paulista. No portão, ele aparece de sapatos pretos, muito bem engraxados, meias pretas e calça social com riscas finas de giz. O cabelo grisalho combina com a camisa que tem no bolso seus óculos e algumas canetas. Uma Veraneio de muitas décadas repousa na garagem, ao lado de uma salinha que ele construiu para treinar seus sets. “Eu sempre vou lá para discotecar.”

O primeiro DJ do Brasil mostra que não ficou parado no tempo. “Gosto de reviver um pouco dos discos, mas tenho muita música no notebook, devo ter umas 3 mil músicas. Às vezes, à noite, eu vou pra lá, fico ouvindo.”

Nascido na cidade mineira de Muzambinho, a mesma do apresentador Milton Neves, em 15 de dezembro de 1933 — mas com o registro feito só em 4 de abril de 1934 — Seu Osvaldo fala sobre como a música e o rádio eram incentivos para ajudar sua mãe, lavadeira, no trabalho. “Eu ia entregar roupa para a minha mãe na avenida. Lá tinha um bar com um rádio, e eu sempre fazia questão de levar as malas, colocava tudo na cabeça e calculava pra chegar na Hora do Brasil, acho que era às 19 horas. Eu gostava muito de ouvir o rádio tocar a ópera O Guarani, mas eu não entendia como aquela caixinha podia falar e ao mesmo tempo tocar música.”

Aos 12 anos veio para São Paulo de trem com alguns familiares. A mãe se mudaria apenas um ano depois. “Na ocasião eu fiquei muito triste, porque tinha me separado da minha mãe. Eram 12 horas de viagem e vim chorando até metade do caminho, de saudade e tal. Aí, quando cheguei na Estação da Luz, quando saí do vagão e vi aquela torre bonita, depois chegou ali na Rua São Caetano, aqueles bares com aqueles luminosos, eu fiquei encantado. Depois fui ver os prédios que nunca tinha visto.”

A carreira de Seu Osvaldo como discotecário começou no início da década de 1950, quando ele já era técnico de eletrônica em casamentos, aniversários e festinhas no bairro. Mas a Orquestra Invisível Let’s Dance — projeto que inovou os bailes e tornou possível dançar ao som das big bands com menos recursos — tomou forma em 1958, ano em que os Estados Unidos lançaram sua agência espacial, a NASA. Enquanto isso, o mundo conhecia o talento de Pelé no primeiro título da seleção brasileira de futebol e “Volare” — ou “Nel Blu Dipinto di Blu” —, fazia sucesso na voz de Domenico Modugno.

A Let’s Dance tinha toda uma mise en scène. As cortinas começavam fechadas, com Osvaldo atrás, tocando os hits do momento. “Glenn Miller, Ray Conniff, Ray Anthony, eu também tocava muito mambo”.

Depois que a pista esquentava, as cortinas se abriam e o maestro da orquestra invisível dava as caras no baile.”O pessoal gostava mesmo de dançar”, diz ao TAB. Seu Osvaldo lembra até o endereço das primeiras baladas. “Era ali no comecinho da Rio Branco, número 82. Hoje não tem mais, porque agora ali é um estacionamento.” E complementa: “Começamos a fazer festa ali e foi muito sucesso, o pessoal veio. E o preço era convidativo, porque os bailes à noite com orquestra eram muito mais caros e aquilo foi uma novidade também, porque o pessoal estava acostumado a dançar nas festinhas de garagem nos bairros.”

O DJ explica uma diferença também entre o repertório das festas do centro e as festas que aconteciam nas regiões periféricas. “Nos bailes da periferia eu tocava muito bolero e chorinho, que eu não tocava na cidade. O perfil lá era diferente.”


A garagem de Osvaldo Pereira
Imagem: Fernando Moraes/ UOL

Inovação nas pistas

Há um outro contexto que é importante explicar sobre o início da carreira de Seu Osvaldo como DJ. Os clubes e salões tradicionais da capital paulista se acostumaram a contratar orquestras inteiras para reproduzir sucessos nacionais e internacionais, e nas bordas da cidade o mais comum eram as festas em casa, com condições modestas de som.

A virada no jogo de sua história — e consequentemente dos discotecários brasileiros — acontece neste momento. Com o som mecânico, que ele mesmo criava, passou a reproduzir a grandiosidade das big bands com uma vitrola, bastante engenhosidade, muito talento e um preço muito mais acessível.

O DJ levava as caixas de som, a vitrola, os discos e suas invenções. Uma delas foi o mixer, equipamento vital para qualquer DJ. É bem verdade que a primeira informação sobre esta peça é de 1910, do francês Leon Gaumant, mas aqui no Brasil, o trunfo é do maestro invisível. “Meu patrão me emprestou uma segunda vitrola, fiz um mixer e levei. Era um aparelho pequenininho que tinha entrada para os dois toca-discos. Então eu podia silenciar um ou o outro. Quando ia trocar, era só mudar a chavinha e colocar o disco. Naquele tempo era tudo manual, eu estreei meu mixer lá na Caio Prado.”.

A ferramenta, porém, durou apenas um baile. “O pessoal falou para não usar: ‘não gostamos. Música sem interromper não é do nosso feitio’. E o pessoal era tranquilo, de uma música pra outra tinha tempo suficiente para o cavalheiro trocar de dama, aqueles que estavam namorando continuavam de mãos dadas.”

Família de DJs

A Orquestra Invisível durou de 1958 a 1968. Depois, a vida tratou de tomar seu rumo e distanciar Seu Osvaldo das vitrolas. “Me deu uma monotonia de fazer a mesma coisa. Eu estava desmotivado e tinha família para cuidar.” A família consistia em uma esposa e cinco filhos.

Paralelamente aos bailes, Osvaldo manteve empregos formais: fez bolas de futebol para uma antiga marca chamada Drible, trabalhou em uma loja que consertava e montava equipamentos sonoros e, por uma década, fez parte da linha de montagem da Philco como consertador, contramestre e supervisor. Ele produzia peças para um televisor com seletor manual. Com agilidade, se levanta, busca o antigo equipamento no quarto e explica o seu funcionamento. “Essa peça era complicada para conserto.”

No período deste último emprego, ficou viúvo. O mais novo dos cinco filhos tinha apenas um ano. Tempos depois, na mesma linha de montagem, conheceu sua segunda companheira, que já tinha dois filhos. Orgulhoso, afirma que tem sete filhos, sete ou oito netos e dois bisnetos. Tem também na família cerca de 25 DJs. “As famílias foram tomando fama de DJ das festas e os filhos foram herdando. Tem um aí que só tá com música sertaneja. É bem diversificado.”

Sua volta aos palcos aconteceu no início dos anos 2000, graças ao livro Todo DJ já Sambou, da jornalista e DJ Claudia Assef — e já dura quase duas décadas de um reconhecimento que, embora tardio, é louvável. Seu Osvaldo é querido pelos grandes nomes das picapes no Brasil. “É uma coisa que me deixa muito entusiasmado. É muito gratificante. Eu nunca ia imaginar que isso ia acontecer quando saí lá de Minas Gerais.”

Contando os dias para ser vacinado contra a covid-19, Seu Osvaldo espera voltar ao baile que estava fazendo no Copan acompanhado dos filhos, e deseja voltar a andar mais livre pela cidade que já não tem mais tantos luminosos nos bares. “O pessoal tava aderindo, a festinha era muito boa”. Enquanto a pandemia não acaba, o primeiro DJ do Brasil mantém o case com os discos separados e prontos para o baile.


Osvaldo Pereira em sua casa, durante o isolamento imposto pela pandemia de covid-19
Imagem: Fernando Moraes/ UOL

O favorito do seu DJ favorito

DJs brasileiros falam sobre a importância de Seu Osvaldo para a cena

KL Jay
“Ele simplesmente é o fundador. Não preciso falar mais nada, o cara é o fundador. A resposta é essa. Eu sou um cara mais simples, já vou no resumo das ideias. Ele é o fundador e o fundador tem todo o mérito.”

DJ Marky
“O Seu Osvaldo pra mim acabou sendo uma descoberta, eu soube dele pela Claudia Assef e depois eu comecei a pesquisar a história dele. A coisa mais incrível com Seu Osvaldo aconteceu num dia que eu já conhecia ele, eu fui tocar, se não me engano, no Cabral, como DJ convidado. Estava lá tocando e já era tarde, eu entrei no som umas 2h30, 3h e toquei até umas 4h30. No final das contas quem estava lá? O Seu Osvaldo — e eu não entendi nada. Ele falou: ‘vim aqui te ver tocar’. Eu fiquei muito, mas muito, feliz. A gente se encontrou várias outras vezes em eventos. Conviver um pouquinho e ter o Seu Osvaldo por perto é a coisa mais maravilhosa que a gente tem, ele é um ser humano incrível e eu sempre falei pra ele que eu quero levar minha mãe num dos bailes dele, porque ela adora Ray Conniff e ele é um expert nessa arte. Em breve vou fazer isso, não vejo a hora.”

Claudia Assef
“O Seu Osvaldo Pereira é uma figura que estava no lugar certo na hora certa — e teve uma ideia que o inconsciente coletivo mundial também já pipocava por vários países, que é de ter uma música mais acessível, onde as pessoas pudessem estar num ambiente de baile, num ambiente coletivo e pudessem desfrutar de músicas. Antes, isso só acontecia via radiodifusão ou com som ao vivo. Para os bailes, com som ao vivo, a coisa ficava cara, então isso no Brasil foi super importante. Ele foi fundamental, é o pai dos DJs brasileiros. Ele teve a brilhante ideia de levar música pro povo dele, porque focou esses bailes num público menos abastado do que as pessoas que conseguiam frequentar os festas com música ao vivo, com as big bands. Osvaldo foi maravilhoso na ideia, na realização e na entrega, porque quando ele parou, em 1968, já tinha uma cena de orquestras invisíveis em São Paulo e o movimento de discotecários já estava acontecendo no Rio de Janeiro. Ele foi a pedra inaugural e tenho muito orgulho de fazer um pouco parte da história dele.”

DJ Hum
“O pioneirismo dele trouxe e inspirou muitos DJs, principalmente da minha geração, a acreditar e dar continuidade a algo que nem era tido como cultura. A história do Seu Osvaldo, a persistência, o grande retorno dele junto com toda essa egrégora, com a galera do hip hop, com os DJs que estavam chegando no anos 1980 e se firmaram nos anos 1990 possibilitou que a história dele fosse resgatada e servisse, como serve até hoje, como exemplo e inspiração pra essa ideia genial de fazer baile, discotecagem, bailinho e alegrar uma comunidade, uma galera, um pessoal que tinha poucas opções de diversão na época.”

Nyack
“A importância do Seu Osvaldo é imensurável, ele foi a orquestra invisível que deu visibilidade para todas as gerações que vieram depois, e se tornou referência dos professores dos meus professores. Muito orgulho de fazer parte de uma cultura onde temos o Seu Osvaldo como pioneiro da parada.”


Seu Osvaldo fazendo o que mais gosta
Imagem: Fernando Moraes/ UOL

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