Batemos um papo sensacional com Rica Amaral, precursor do Psy Trance nacional!
CONFIRA NA INTEGRA A ENTREVISTA:
Boa tarde, Rica! Primeiramente gostaria de agradecer em nome da ForAll a sua entrevista e dizer que todos nós aqui somos profundos admiradores da sua arte. É uma honra ter você fazendo parte ativa do nosso portal.
Vamos lá, se existe alguém nesse Brasil que nunca escutou falar no seu nome ou não sabe nada da sua história, aqui vai um breve resumo: Rica está na cena eletrônica desde 1995, foi mentor da festa Xxxperience, eleito melhor dj de trance por quase 10 anos consecutivos em veículos consagrados de mídia como Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, e presente em todas as festas e festivais mais importantes do país e da Europa.
Emusic4All: Quando você fala, seja em um vídeo ou em algum post com textão, todos paramos para escutar e prestar atenção, pois você é uma referência para todos nós. E para você? Quem te faz parar tudo para prestar atenção no que está falando?
Rica: Já parei pra ouvir muitas pessoas interessantes falando sobre temas diversos principalmente de autoconhecimento. Hoje estou em um momento de minha vida que aprendi a parar toda hora pra ouvir a mim mesmo, a voz que vem do fundo da minha alma, aprendi a separar o que é ego, barulho da mente e a voz que vem da essência, do nosso eu verdadeiro, que muitas religiões chamam de Deus, que nada mais é do que nós mesmos, praticando o silêncio mental e vivendo o momento presente ao máximo que conseguimos, confiando na vida independentemente do que ela coloca em nosso caminho, praticando a aceitação em todos os sentidos.
Emusic4All: Você era dentista antes de se tornar DJ em uma época onde as pessoas, em sua maioria, nunca nem tinham ouvido falar em trance psicodélico. Qual foi a repercussão dentro da sua família, você foi chamado de louco? E em qual momento eles começaram a reconhecer sua nova profissão?
Rica: Eu realmente vendi meu consultório quando já fazia festa e tocava há dois anos. Ainda não era certeza de que ia rolar, mas já estava evoluindo e eu senti, olhando pra minha vida e analisando os sinais dela que estava pra acontecer, mas ainda era um tiro no escuro. Minha família ficou um pouco surpresa comigo, o que não era a primeira vez na vida, mas me apoiaram totalmente.
Emusic4All: Mesmo sendo uma das figuras mais conhecidas entre todas as gerações do eletrônico no Brasil, ainda é possível te encontrar nadando nu com seus filhos no Universo Paralello como se fosse um indivíduo anônimo, sem se importar nem um pouco com os olhares curiosos. Ao que se deve toda essa simplicidade?
Rica: Nós, graças à vida, não somos Mick Jagger nem Wesley Safadão. O mais bonito desta cena é a proximidade do artista com o público, e eu aprendi tudo sobre essa cena e essa música na pista de dança. É o meu lugar, é onde pertenço e não me sinto mais que ninguém, portanto trato os outros e me trato com respeito, e me misturo. Hoje sinto muita falta de artistas que sejam exemplo, a maioria quer tocar e quer que todos dancem, mas eles mesmos não vêm pra pista dançar… não sabem o que estão perdendo e não sabem o quão estreita é a visão do artista sem a experiência de dança frenética.
Emusic4All: A preocupação com a decoração, arte e cultura foi um pilar que sempre deu à Xxxperience uma posição de importância na cena. Antes de produzir a primeira, em 1996, você já tinha frequentado alguma outra festa ou tentou reproduzir tudo que te falavam sobre como era lá fora?
Rica: Quando fiz a primeira Xxxperience era muito o começo da cena, quase nenhuma festa havia acontecido. Poucos tinham mínima experiência nisso e éramos todos bem frenéticos, se é que você me entende. Então, a partir de 97 eu comecei a ir de rolé pra europa pra beber da fonte nos principais festivais da época e poder aprender e adaptar à nossa realidade. Música também, não era só sentar a bunda na cadeira e fazer download, você tinha que atravessar o oceano e comprar.
Emusic4All: Quando você e o Feio passaram a liderança do festival Xxxperience adiante, em algum momento se sentiram arrependidos? O que sentem quando vêem a proporção e os rumos do festival atualmente?
Rica: O que vou dizer agora é minha opinião particular. A do Feio eu nunca perguntei, mas pra mim há muito tempo a Xxxperience não era mais meu sonho de evento, tinha se tornado gigante e estava mais para um show do que para uma festa que proporciona um ambiente favorável para uma experiência de dança intensa e curadora. Então eu já há muito tempo estava mentalizando e pedindo uma saída por cima, pois foram muitos anos de dedicação e fui eu quem plantei a primeira semente, e nada melhor do que vender o nome para seus sócios. O rumo que tomou, era o rumo que já estava tomando, uma festa sem conceito, sem atitude, organizada por pessoas que nunca fizeram realmente parte da cena.
Emusic4All: Em pleno 2018, suas redes sociais ainda tem uma política bastante orgânica, não sendo adepto a posts patrocinados e a nenhum anúncio pago. Qual o por quê dessa postura?
Rica: Desde a primeira agência de DJs que surgiu, desde o início da internet eu nunca quis depender deles para ter meu lugar na cena. Sempre acreditei no meu trabalho e na diferença que faz você ser um artista que toca música pras pessoas dançarem e entende as necessidades da pista de dança. Isso você não acha em nenhum manual de instrução e nenhum curso de DJ ou produção fala sobre isso, mas acho que é o que faz a real diferença e pra mim o meu melhor marketing sempre foram minhas apresentações e o boca a boca pós evento. Nunca fui exclusivo de agência, nunca toquei pra gravadora nenhuma, nunca virei as costas pro público para tirar selfie, nunca levei camera man para filmar minhas apresentações, nunca fui na frente do palco para acionar a máquina de fumaça ou subi na mesa pedindo aplausos ou gritos. Sei que isso funciona, mas funciona por pouco tempo se junto deste marketing todo não vem um produto a altura. Pra mim soa um pouco como propaganda enganosa. Eu tenho minha posição dentro da cena do trance há 22 anos e nesse tempo já vi muitos que foram mestres pra mim, mudarem de cena ou pararem de tocar. Já vi muitos virarem as costas pro trance quando em baixa e depois quererem voltar quando em alta. Pra mim, por minha visão de cultura do bem através da música e dança curativa e psicodelica, nunca fez sentido mudar de cena ou tocar outra coisa. É isso mesmo que eu sou e não tem como mudar a minha essência.
Emusic4All: A máxima conexão entre artista e público acontece quando os dois estão em uma sintonia única de música, transe, amor e liberdade, mas inevitavelmente não é sempre que isso ocorre. O que faz você perder essa conexão e como faz para manter sua vibração elevada mesmo quando não há essa reciprocidade?
Rica: Essa conexão só não acontece quando o público não está aberto a isso, quando as pessoas estão mais apegadas à etiquetas, rótulos e nomes do que a real essência da dança. A música que eu toco espelha a minha experiência de pista, de entrega à música e à dança, é uma música que provoca, quando você se permite, a ter sensações físicas e espirituais intensas através do movimento contínuo da dança. É música pra pista de dança, e não pra uma pista social que de momentos em momentos para pra olhar pro lado e conversar. É música que cataliza o processo de silêncio mental e quando esse silêncio mental é atingido é quando as sensações começam. Mas precisa de foco, continuidade e seriedade. A pista de dança é um local sagrado, não é brincadeira de criança, não é balada de clube, não é show. Não é lugar pra sentar e assistir.
Emusic4All: Além da música, quais outros canais de meditação você exercita para manter o corpo, mente e alma em equilíbrio?
Rica: Como disse antes minha forma de meditação é a prática do silêncio mental e isso eu pratico 24/7, todos os dias todas as horas, não dependo de religião nem de ritual. Eu sou uma pessoa que me cuido muito e me respeito, procuro entender meus limites e o que me faz e não faz bem, procuro sempre olhar pra dentro pois acredito que se queremos de alguma forma mudar o universo que habitamos, temos que primeiro mudar o universo que nos habita.
Emusic4All: A cena atual parece não estar valorizando muito os DJs e sim os produtores musicais, mesmo alguns destes não tendo experiência necessária para fazer uma boa apresentação para a pista. Em que momento da cena você percebe que ocorreu essa mudança de valores?
Rica: Isso aconteceu quando começaram a aparecer mais produtores pela facilidade tecnológica de produção o que deixou a música mais na mão de computer freaks do que na de verdadeiros músicos, e no caso de nossa cena, dançarinos. Aí os eventos começaram a colocar lives após lives e eu como dançarino, se fosse pra uma festa na vontade de dançar, nunca iria preferir trocar 7 lives de uma hora por 7 horas de um bom dj set. Um bom dj set te conduz por um caminho fluido de várias horas nonstop cheios de surpresas e histórias. Já 7 lives te conduzem por um caminho com paradas e mudanças muitas vezes desconexas que não permitem a pista a chegar no ponto de cura, e isso que causa uma pista social com pessoas que ficam horas esperando por uma música X. A experiência de dança psicodélica é outra coisa, é um exercício meditativo que, como todo exercício meditativo dinâmico ou não, necessita de horas a fio de concentração e entrega para se alcançar o ponto em que se torna curativo.
Emusic4All: Seu set de gypsy e balkan beats é sempre uma das atrações mais esperadas dos festivais, transformando os espaços de Chill Out em verdadeiros main stages. Como aconteceu o primeiro e quando brotou essa explosão?
Rica: O primeiro aconteceu no Universo Paralello de 2006, se não me engano, e foi uma surpresa incrível pois eu já sabia do poder desta música mas não sabia como seria a reação das pessoas e foi surreal, emocionante. Eu me lembro de chorar inúmeras vezes durante o set de tanta emoção e conexão. Depois disso precisei de muito tempo e muitas apresentações para amadurecer dentro desta música e entender o que tocar e em que horas. É uma música riquíssíma que passa por muitas vertentes musicais como dub, reggae, hip-hop, hardcore, etc. Então foi um processo de aprendizagem e amadurecimento dentro deste universo, usando toda a minha experiência com o trance em criar uma pista de dança que começa com 1 pessoa e termina com 100 dançando e entregues a música. Nestes anos foram as sensações mais incríveis que tive como dj… mais ou menos como um Master of Puppets: colocar as pessoas conectadas por cordinhas à música e guiá-las por um universo lúdico e psicodélico ao mesmo tempo.
Emusic4All: Ao longo de todos esses anos de carreira, já deve ter visto muitos artistas aparecerem e sumirem numa velocidade meteórica, e você continua aqui firme e forte no seu propósito. Isso provavelmente se deve muito ao fato de você ser o pioneiro da cena inteira aliado ao seu estilo de vida e energia que transmite às pessoas. Aí entra uma pergunta: se nada disso tivesse acontecido, se outra pessoa tivesse iniciado a cena, você continuasse dentista e de repente quisesse se tornar DJ hoje: como você conquistaria seu espaço se começasse a carreira em 2018?
Rica: Indo pra pista me entregando à música. E depois de entender a necessidade da pista, ir tentando arrumar um espaço ao sol e, passo a passo, tocando o coração das pessoas, criar uma carreira. A falta de pista pro artista faz ele subir no palco e colocar o foco das pessoas nele mesmo, desviando elas do caminho da cura. Se fosse pra subir no palco e me sentir melhor que os outros eu preferiria continuar na odontologia.
Emusic4All: Quem é o Rica Amaral que nós não conhecemos? Qual pergunta nunca fizeram que adoraria responder?
Rica: Quem quer me conhecer sabe que eu sempre estou aberto a isso, sempre quando tenho tempo estou na pista no meio de todos. Há muito que resolvi ser verdadeiro comigo mesmo, então não tem máscara. Quem você me vê é quem eu sou. Acho que é isso, não estou conseguindo pensar em uma pergunta que nunca fizeram, aliás você fez algumas que nunca fizeram. Muito obrigado por perguntas tão inteligentes e abrangentes.
Emusic4All: Muito obrigada por toda generosidade! O que podemos desejar é cada vez mais sucesso em sua carreira, vida, amor, e tudo mais que você mesmo desejar!
Caroline Ramos.