Elitismo nas pistas de dança
UMA REFLEXÃO SOBRE A DIFERENÇA DE CLASSES NA CENA DA MÚSICA ELETRÔNICA
Preconceito de classe é algo que acontece em todas as áreas e setores da sociedade, inclusive obviamente, na música eletrônica. Eu por exemplo moro em uma cidade que tem uma renda per capita das maiores do País chamada Niterói, no Rio de Janeiro, já esteve em primeiro, segundo, não sei ao certo atualmente mas sempre ali entre as maiores rendas, quer dizer, é uma cidade extremamente elitizada, apesar de ter também muitas comunidades carentes, e após as pacificações-pra-gringo-ver do ex-governador hoje preso terem tido como resultado direto um aumento exponencial da criminalidade na cidade.
Aquele ar de superioridade muitas vezes característico de pessoas que ganham mais que as outras, faz com que aconteçam coisas por exemplo, como o caso de uma amiga DJ, residente em Niterói, que certa vez foi vetada de tocar em um evento na cidade porque segundo a produção, “ela tocava em São Gonçalo”, pra quem não conhece, uma cidade logo ao lado de Niterói, mas com uma renda per capita muito menor (segundo o wikipedia, Niterói está na posição 1 atualmente e São Gonçalo na posição 1421, não é necessariamente a fonte mais confiável possível mas servirá aqui).
Isso é o tipo de coisa que claro, você não precisa estar na cidade com maior renda per capita do País pra ver acontecer, na cidade – não tão mais – maravilhosa do Rio de Janeiro é bem clara a divisão de classes que existe nos eventos e inclusive em relação aos estilos musicais. DJs que tocam em eventos na Zona Norte e Oeste raramente tocam em eventos da Zona Sul e vice versa, mas esse vice versa por exemplo, dos DJs da Zona Sul também tocarem raramente em eventos da Zona Norte já acontece em proporção diferente que o contrário quando falamos de nomes de maior destaque por exemplo, porque claro, os “djs locais” ficam mesmo em geral mais restritos aos seus locais de atuação como o nome já diz, mas quando se trata de nomes de maior destaque isso já muda um pouco.
Na Zona Sul do RJ eu diria que tem menos artistas da e-music com destaque de fato, com agendas sempre cheias, com um público fiel que os segue, do que artistas atuantes na Zona Norte e Oeste, mas esses poucos artistas da Zona Sul costumam ter mais lugar nos lines ups dos eventos das outras zonas do que o contrário…
Quantas vezes eu não ouvi por exemplo, público, djs, promoters etc da Zona Sul dizendo coisas como “O público de fulano é chacota”, “só gente mal educada” etc, e isso acho inclusive que é algo que acontece no Brasil todo, talvez no mundo em boa parte também, mas já pararam pra pensar que esse comportamento definido como “chacota” e o fato das pessoas serem mal educadas é justamente por terem tido menos acesso à educação e cultura? Que o Techno e o House mais underground fazem muito mais sucesso entre as camadas mais abastadas da população do que o Psy Trance por exemplo hoje em dia, porque lá atrás quando as raves explodiram no Brasil, as classes com maior poder aquisitivo já beberam da fonte do Trance até quase secar, e os mais pobres foram conhecer e curtir depois o estilo, o que inclusive só foi possível por conta da sua popularização com festas melhores, mais bem divulgadas e próximas à essas pessoas além da diminuição dos preços de entrada e bar?
Não que no passado só ricos fossem às raves, mas sério mesmo, quantas pessoas vocês conhecem realmente humildes e periféricas que frequentavam as festas de e-music no passado? Tipo há 15 anos atrás? Pouquíssimas, e não necessariamente porque os preços eram caros ou porque sofriam preconceito nos eventos, mas também porque a divulgação de fato muitas vezes não chegava até eles, isso é não ter acesso à cultura, e algo que só tipo 10, 12 anos atrás quando se popularizou mesmo a música eletrônica no País, camadas mais pobres da população começaram a frequentar, e foi quando muitos dos que antes frequentavam deixaram de ir, porque “chacotou” as raves, o público estava ruim etc.
Eu entendo perfeitamente e nem acho que isso tenha se dado por puramente questões de classe, mas outros fatores como as pessoas irem ficando mais velhas e parando mesmo de ir para as festas, por realmente se incomodarem com certos comportamentos como brigas, sujeira etc que começaram a surgir por conta justamente da falta de educação do público que passara a frequentar, e que não a tinha por justamente não ter tido acesso à essa educação de qualidade como as escolas e pais de outros puderam os proporcionar, e sinceramente, não sei se existe uma solução a curto prazo pra essa questão, mas algo que sinto falta há muito tempo é do termo P.L.U.R na cena eletrônica, Peace Love Unity Respect.
Desde que a coisa toda virou mesmo um negócio altamente lucrativo por aqui e passou-se a se pensar puramente em números, deixando-se de lado aqueles ideais lúdicos do passado, parece que a maioria não se importa mais com essas palavrinhas mágicas, e talvez resgatarmos esses quatro valores que tanto pregamos no passado, fosse um primeiro passo pra que todos juntos pudéssemos ter uma cena mais unida, inclusive mais educada e menos elitista, onde as pessoas de todos os gêneros, classes, orientações sexuais etc pudessem se reunir em harmonia e confraternizar, sem elitismos ou ar de superioridade porque amigos, ter mais dinheiro e educação não faz de ninguém melhor que ninguém, mas ter consciência disso e ajudar da forma que for aqueles que tem menos seja lá o que for, pode ser uma boa forma de melhorar muito nossa sociedade, talvez se todos entendessem isso inclusive a situação política do País também fosse outra.
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Abraços e até a próxima.